Coca-Cola, Pepsi e McDonald’s compõem rede de financiamento do Instituto Pensar Agro e ajudam EUA a somar 71 das 215 empresas estrangeiras que bancam associações do agronegócio no Brasil; na vice-presidência da Abiove, Cargill é destaque em dossiê do De Olho nos Ruralistas
Por Larissa Linder e Bruno Stankevicius Bassi, em De Olho nos Ruralistas
De Olho nos Ruralistas publicou no dia 18 o dossiê “Os Financiadores da Boiada: como as multinacionais do agronegócio sustentam a bancada ruralista e patrocinam o desmonte socioambiental“. O detalhamento dos dados por país mostra que 1/3 das empresas que participam do financiamento da bancada ruralista fica nos Estados Unidos.
O relatório revela a participação de empresas globais no financiamento ao Instituto Pensar Agro (IPA), o cérebro pensante por trás da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), responsável por formular as pautas legislativas e definir o posicionamento político do grupo. O documento pode ser baixado na íntegra aqui.
O levantamento do observatório considerou as listas de empresas associadas às 48 organizações de classe que contribuem mensalmente para a manutenção do instituto e constatou que, das 1.078 companhias analisadas, 215 pertencem a grupos estrangeiros. Destas, 71 possuem sede nos Estados Unidos.
Entre os grupos estadunidenses que compõem a rede de financiamento ao lobby ruralista em Brasília destacam-se a processadora de grãos Cargill, a fabricante de agrotóxicos Alltech, a produtora de fertilizantes Stoller e a multinacional de saúde animal Elanco. Cada uma delas está presente em quatro organizações ligadas ao IPA.
Conglomerados globais como as traders ADM e Bunge estão presentes em três associações cada. A lista inclui ainda produtoras de agrotóxicos e sementes transgênicas como Corteva, FMC e Gowan; as indústrias de máquinas agrícolas Caterpillar e John Deere; de produtos para pets, como a Mars, dona das marcas Pedigree e Whiskas; seguradoras, como as filiais dos grupos AIG e Liberty no Brasil; e as gigantes alimentícias Coca-Cola, Pepsico, Mondeléz e General Mills, além da rede de fast food McDonald’s.
DONA DA MARCA LIZA, CARGILL LIDERA FINANCIAMENTO À BOIADA
Segunda maior companhia de capital fechado do mundo, a Cargill está afiliada a quatro entidades de classe que integram a cadeia de financiamento do IPA. Estas incluem as associações brasileiras do Agronegócio (Abag), de Proteína Animal (ABPA), da Indústria de Alimentos (Abia) e das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Na Abiove, a multinacional ocupa a vice-presidência do Conselho de Administração, comandada pelo CEO da empresa, Paulo Sousa. A associação é atualmente presidida pelo ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi, dono da trader Amaggi.
No Brasil desde 1965, a estadunidense lidera as exportações de grãos no país, com 17 milhões de toneladas negociadas em 2019, segundo dados da agência marítima Cargonave. Nas prateleiras dos supermercados, ela aparece por meio das marcas Elefante e Liza. A Cargill também é controladora da Nutron, empresa de nutrição animal que, por sua vez, está associada a outras duas entidades financiadoras do IPA: os sindicatos da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan) e da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações).
Além do lobby via associações, a Cargill atua individualmente. Entre janeiro de 2019 e junho de 2022, a companhia se reuniu treze vezes com representantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O número não é alto quando comparado a outras líderes no financiamento da boiada, como as fabricantes de agrotóxicos Syngenta (81 reuniões), Bayer (60) e Basf (26) e o frigorífico JBS (75). Contudo, há encontros importantes, como uma reunião em julho de 2021 com a então ministra Tereza Cristina, cuja pauta não foi especificada.
A ministra esteve reunida pelo menos uma outra vez com um executivo da empresa, em agosto de 2019, durante encontro com o Sindirações no qual participou o presidente da Nutron, Celso Mello.
Procurada pela reportagem à respeito das informações do dossiê, a Cargill informou não responder a pautas ligadas ao Instituto Pensar Agro, encaminhando a demanda para a Abiove. “Como a empresa é associada à Abiove e é a entidade que atua diretamente com Instituto, essas pautas são encaminhadas para a gente”, respondeu o assessor de imprensa da associação. Confira a íntegra da resposta aqui.
COMPANHIA É CONTRA PACTO CONTRA DESMATAMENTO NO CERRADO
Em junho de 2019, a Cargill anunciou a criação de um plano de US$ 30 milhões para combater o desmatamento ligado à cadeia da soja no Matopiba, região que abrange as últimas áreas de Cerrado dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Oeste da Bahia. Segundo o documento divulgado pela empresa, o projeto tinha como propósito “encontrar soluções que ajudem a proteger a terra do Brasil, e gerar oportunidades econômicas aos agricultores e às comunidades do bioma Cerrado”.
O projeto era uma primeira sinalização por parte da trader de adesão à ideia da extensão da Moratória da Soja, vigente na Amazônia, para o bioma cerratense, atendendo a uma demanda antiga de movimentos socioambientais que atuam na região.
A ideia foi prontamente derrubada através de uma articulação encabeçada pela Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) que, por meio da Abiove, forçou um recuo da multinacional. Em “carta aberta aos produtores de soja”, a Cargill destacou que a criação do fundo “não muda o posicionamento da empresa de ser contrária à criação de uma “Moratória do Cerrado””. Desde então, a companhia vem reforçando seu posicionamento contrário ao tema.
A Moratória da Soja no Cerrado consiste em expandir para o bioma o pacto, firmado em 2006 com a iniciativa privada, que freou parte do desmatamento da Amazônia gerado pelo avanço do plantio do grão. Se implementada, a moratória do Cerrado teria capacidade para evitar a conversão direta de 3,6 milhões de hectares de vegetação nativa em terras agrícolas ao longo de trinta anos — área maior que o território da Bélgica, segundo o primeiro estudo científico feito a respeito, publicado em 2019.
PORTO EM SANTARÉM IMPULSIONA BOOM DA SOJA NA AMAZÔNIA
Com um modelo de negócios verticalizado, a Cargill atua desde a comercialização até o transporte de oleaginosas. Neste último segmento, detém quatro terminais portuários próprios e participa de três joint ventures.
Um dos portos da companhia, em Santarém (PA), ajudou a impulsionar o cultivo de soja nessa região amazônica, mesmo em áreas protegidas, e está envolvido em denúncias de irregularidades e desrespeito aos direitos humanos.
Em 2020, o relatório Complicity in Destruction, uma parceria entre a ONG britânica Amazon Watch e De Olho nos Ruralistas, revelou que a multinacional mantinha entre seus fornecedores cadastrados nos municípios de Santarém e Mojuí dos Campos (PA) fazendeiros acusados de sobreposição e grilagem sobre a Terra Indígena Munduruku do Planalto.
Os latifundiários contestam a demarcação do território em função da ampliação do plantio de soja na região, iniciado com a construção do terminal graneleiro da Cargill, em 2008. Em resposta, a empresa afirmou não ter relação com a ação reivindicatória contra o povo Munduruku e que trabalha para promover a “sustentabilidade de toda a cadeia de abastecimento da soja”.
Foto principal (Divulgação/Cargill): terminal de grãos da Cargill em Santarém deu início a conflitos com indígenas do território Munduruku do Planalto Santareno